Certamente, a maioria de nós já passou pela experiência do deserto. Experiência de aridez, de insegurança, de desânimo, de cansaço. Experiência da solidão, do vazio.
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Quem participa das celebrações dominicais na Igreja Católica percebeu que, durante o mês de agosto, esse tema esteve muito presente. Pudemos acompanhar o povo do Êxodo em sua travessia, o profeta Elias perdido no deserto, a multidão faminta e longe de casa…
O Êxodo pelo deserto é uma das mais bonitas metáforas da vida humana. Fala de um povo que caminha, aos “trancos e barrancos”, fugindo da escravidão, dirigindo-se à “terra prometida”. Atrás, uma vida de servidão, de exploração, de negação da dignidade. Uma não-vida. No horizonte, a utopia, o sonho de liberdade, o desejo da completude, do bem-estar ou, simplesmente, estar bem. Libertar-se do peso que oprime, da “carga sobre os ombros” (Is 9,3). Em volta, o deserto, a secura, montes e vales, serpentes venenosas. Na alma, a sede, a fome, as lutas internas. Às vezes, a descrença é maior. Vale a pena continuar? Ou é melhor retroceder? Lá atrás tem servidão, tem dor, mas tem comida e proteção (cf Ex 16,2-3).
O deserto deixa as pessoas desorientadas; meio sem rumo. Tudo toma uma proporção maior. O frio, o calor, a fome, a solidão… Falta a segurança de uma casa, o aconchego de um ‘cantinho’. A água é pouca. Não dá pra saciar. Justamente pra mostrar que quem se sacia se acomoda. O pão é pra cada dia. Se ajuntar, apodrece (cf Ex 16,19-20). É tudo provisório A miragem enche os olhos, mas não dura, não se sustenta. É grande a tentação de desistir ou, pior ainda, voltar atrás. Por um pedaço de pão…
O silêncio incomoda, mas ajuda a pensar, a repensar, a rever, a reconsiderar. Sem o que ouvir fora, começa-se a ouvir a voz interior. Há pouca coisa pra se ver: areia, céu, vazio. O jeito é olhar para si mesmo; se reencontrar. E, aos poucos, olhar de forma diferente para o outro.
Mas, em meio ao silêncio, também a Voz do Senhor se faz ouvir: Eu vi a tua aflição; eu ouvi o teu clamor; eu conheço a tua dor; eu desci pra libertar (cf Ex 3,7-8). “Eu sou Javé, aquele que te cura” (Ex 15,27). Diante da fome, da fraqueza, do cansaço, o Senhor se faz alimento. Maná que vem do céu. Palavra que anima. Sustento e força pra que consigam sepultar de vez o passado de servidão; coragem para prosseguir. No Egito se tem comida, mas o trabalho realizado e o esforço feito só engordam o faraó. No deserto há fome e dor, mas as energias gastas fortalecem a própria pessoa; a luta faz crescer.
O faraó protege, mas mantém as rédeas, cria dependência, infantiliza. O deserto expõe, gera insegurança, mas amadurece. Deus abençoa, alimenta, mas não carrega no colo (só de vez em quando). Sabe que nosso lugar é no chão, para aprender a caminhar. E a lidar com pedras e espinhos.
Toda essa experiência do povo é vivida também por Elias (1Rs 19,4-8). Perdido no deserto, desfalecendo de fraqueza, morrendo de medo dos perseguidores, desabafa: “Agora chega, Senhor! Prefiro morrer.” Quantos já experimentaram ou experimentam isso! E é nesse momento que surge um anjo de Deus – sempre haverá um anjo no caminho. Toca o profeta e diz: “Levanta-te e come! Tens um longo caminho a percorrer”. Ele olha para o lado. Não sabe como, mas ali estão água e pão. É sempre a Palavra que põe de pé, que empurra pra frente, e o pão que dá sustento.
A Ir. Míria Kolling, num momento privilegiado de inspiração, transformou essa história, que é de Elias, que é do povo de Israel, que é de todos nós, numa linda poesia, num poema da esperança: “Quando te domina o cansaço, e já não puderes dar um passo… levanta-te e come, que o caminho é longo. Quando te perderes no deserto, e a morte então sentires perto, sem mais forças para subir… levanta-te e come! Quando a dor, o medo, a incerteza tentam apagar tua chama acesa, e tirar do coração a alegria e a paixão… levanta-te e come! Quando não achares o caminho; triste e abatido, vais sozinho, o olhar sem brilho e luz, sob o peso de tua cruz… levanta-te e come! Eu sou teu Alimento, ó caminheiro. Eu sou o Pão da vida verdadeiro; te faço caminhar, vale e monte atravessar…”
O passado precisa passar. Será uma escola. Só fica o que vale a pena. O presente pode ser deserto, mas é o nosso chão, a vida em construção, o tempo da gestação. Esconde dores de parto. O futuro é o horizonte, a meta que nos chama, a esperança que anima, é a direção do olhar. Para as nossas fraquezas e limitações, para o cansaço e o desânimo, o Pão e a Palavra. Levanta-te e come. O caminho é longo…